terça-feira, 3 de setembro de 2013

A Menina

No dia 31 de Agosto este texto deveria ter sido publicado. Porém, um possível erro no sistema de "Salvar/Publicar Automáticamente" fez com que o texto não fosse para a página. Com atraso, portanto, mas não com menos entusiasmo e alegria por mais esta publicação, criação e literalmente um presente, pra alguém que considero uma amiga, publico hoje, três dias após o prometido:

A menina tinha um ar diferente. Parecia menina, mas não era tão menina assim. Às vezes ela parecia tão menina que eu a olhava e pensava: "Mas é mesmo uma menina". Às vezes não. As vezes eu não pensava coisa alguma, apenas a deixava caminhar livre, pela calçada, até chegar no gramado e colher aquela florzinha amarela que cresce na grama.
- Olha! - ela dizia. - Um dente de leão. Tão bonito, tão simples, tão forte...
Eu a observava. Apenas observava. Um dia a menina ficou brava e me mandou embora. O que poderia eu fazer? Dei uns quinze passos para longe, parei atrás de uma árvore e fiquei ali, olhando. Teve uma hora que ela me viu. Dei bobeira, sabe como é. Ela me viu e gritou: "Vá embora, eu disse!". Eu havia feito algo que a deixara irritada. Mas nada mais poderia fazer para mudar aquilo. Subi numa outra árvore, não muito distante, e fiquei a observá-la por entre as folhas verdinhas, dia e noite. Mesmo em silêncio, ela sabia que eu estava lá e, às vezes, dava uma olhadela, de canto de olho, só pra ver o que eu estava fazendo.
A menina ficava lá, no seu universo particular. As vezes viajava, conhecia outros portos, encontrava portos velhos, fazia muito, ou fazia muito pouco, como ela quisesse. As vezes apenas dormia. As vezes acordava e me mandava acordar também. E eu acordava. Eu a observava por mais um dia e lá estava ela. Os cabelos marrom-claros amarelos azuis vermelhos marrom-claros voavam com o vento. O rosto cor de pele clarinha corava, ou ficava branco, ou ficava coberto pelo capuz da blusa preta. As unhas pretas brancas azuis roxas arranhavam a terra, pra pegar uma flor ou outra, ou arranhavam a pele, ou arranhavam o céu enquanto ela pegava estrelas perdidas.
Um dia eu estava dormindo e ela me derrubou do galho onde eu estava. Veio rindo, contente, conversou comigo naturalmente e até chorou, em dado momento. Mas ofereci meu ombro amigo e ela logo ficou bem.
E assim a menina foi, e assim a menina ia. Dia e noite, colhendo estrelas flores portos universos pessoas. Esta era a menina dos olhos brilhantes azuis verdes. Magrinha, pequena, mas com um abraço do tamanho do abraço de um lutador de MMA. Que as vezes era confusa, mas sabia sorrir e deixar tudo mais bonito.
A menininha que um dia foi menininha, e que agora não é mais. A menininha que, mesmo não sendo mais uma menininha, será pra sempre a menininha: magrinha, com abraço forte e um coração enorme.

Parabéns, May =)

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O Beijo da Noite


Ela estava ali. Eu cheguei, olhei para a cama e lá estava ela. Lasciva, me desejando. Não falou nada, não me olhou. Quase não se mexeu. Eu, sinceramente, não senti vontade, naquele momento, de me unir a ela. Tinha coisas a fazer e comecei a correr pela casa. Peguei algumas peças de roupa e coloquei na mala. Separei um tênis e coloquei na mala. Escovei meus dentes, apaguei as luzes e fui para o quarto. Ela ainda estava ali. Não me olhou. Quase não se mexeu. Eu disse

- Noite, ainda preciso ler e aguardar o horário certo para dormir. Tenho que responder a algumas mensagens e, só então, unir-me a você.

Ela não me olhou. Apenas disse:

- Por que, então, não aproveitar o tempo e ouvir um iDoser?

Como que hipnotizado, atendi prontamente. "Por que não?", pensei. Seriam apenas 40 minutos, eu poderia experimentar algumas sensações diferentes e, ao final, acordaria, responderia as mensagens que tivesse recebido e poderia dormir em paz, após alguma leitura e uma ligação importantíssima. Coloquei os fones de ouvido, fechei os olhos. 40 minutos apenas...

***

Desperto. "Acabou", pensei. Olhei no celular, várias mensagens piscavam na tela sobrecarregada. O relógio marcava 1h. Três horas haviam se passado. Ela estava ali, deitada do meu lado, satisfeita.

- Noite, o que fez?? - perguntei, assustado.

- Apenas aproveitei seu momento de meditação e usei seu sono. Estava com muita vontade. Desculpe.

Seu sorriso sarcástico me faz sentir ainda mais arrepios. Respondo as mensagens, espero... Nada. Tudo bem, o que mais fazer, se não voltar a dormir?
Mas não é o que ela quer. Enquanto meu cérebro vai diminuindo sua frequência, posso senti-la unindo-se a ele, abraçando-o, até que minha visão se escureceu completamente, e até meus pensamentos mais obscuros desapareceram. Sonhei. Muitos sonhos, muitas pessoas, sensações, música... Foi tudo estranho. Acordei com calor, acordei assustado, acordei com o despertador e, somente neste último momento, pude desvencilhar-me daquele manto negro que me prendia nas terras de Morpheus.

- Acabou. Estou partindo. - disse, decidido.

Nenhuma resposta. Quando olho para o lado, a cama vazia, mais fria que de costume, pela presença daquela que se assenhorou de minha mente nas últimas oito horas. Nada, nem um beijo de despedida. Nada. Levanto-me, tomo um copo de suco e saio. Pelo menos eu estava livre, eu podia pensar e trabalhar e agir livre. Sem mais aprisionamentos do meu pensamento.
Ao sentar diante do computador, vejo um convite, feito por um amigo, para participar de um grupo literário. A ideia me agrada. A visão fica turva. A mente parece paralisada. Logo percebo o que está acontecendo. Não ouço, mas sinto ecoar no íntimo de meus pensamentos:

- Olá.

A única imagem que vejo é um sorriso. Parece-me, inclusive, o sorriso daquele gato, do País das Maravilhas. Ele se abre e sinto como se pudesse observar minha decadência enquanto meus dedos ligeiros percorrem o negro teclado, traçando novas linhas, novas palavras, descrevendo a noite e criando esta nova crônica.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

E Hoje, o Que Será?

Agosto
Mês do cachorro-louco
Por que, então, não posso
Simplesmente dormir mais um pouco?

Antes do café, ainda
Vêm-me a inspiração
Com olhos inchados na manhã tão linda
escrevo - mera distração

Sinto os cabelos um tanto desarrumados
Sinto o agasalho me manter aquecido
Vejo homens, mulheres, humanos e desalmados
Pessoas que pensam, que salvam, ou deixam o mundo esquecido

O que dizer? - pensa o cachorro
Se estou aqui, solitário.
Todos nós, pedindo atenção, socorro
Pobres bichanos, mimos do empresário

E hoje, o que será? - diz o gatinho
Se nada poderei fazer com aquele sujeito
Ele passa o dia todo fora, fico só
Mas à noite, sei, poderei dormir em seu peito

O frio da manhã me faz delirar.
E por acaso cachorro pensa?
Como um gato poderia falar?
Acho que neste ponto só um café compensa

E o café vai me ajudar a manter a mente
Funcionando, livre, leve, gostosa
Pensante, aquecida, sistemática, fluente,
Em verso, em música, sem rima ou em prosa.

**bobagens das primeiras horas da manhã**

*Texto motivado pelas conversas literárias com o amigo Lima (http://devaneiosdolima.blogspot.com).

terça-feira, 4 de junho de 2013

As Brumas e Você II

Há várias manhãs naturalmente gélidas nesta distante cidade. A paisagem esbranquiçada faz lembrar aquele texto, escrito há algum tempo, sobre as brumas e você. Obviamente, a imaginação flui por todas as ruas, todas as esquinas, todas as casas, árvores e o que mais passa por mim enquanto transito pela cidade: você está aqui, comigo, em todos os momentos. A vontade de abraçá-la, de sentir a presença do seu corpo é sempre grande. A vontade de sentir seu perfume, seu beijo... Mas não sua presença. Mesmo distante, SEI que você está comigo o tempo todo. E isso é simplesmente encantador. Sinto-a comigo sempre, a cada dia de modo mais intenso. Isso faz-me abrir um sorriso grandioso.
Quis revirar meus históricos de mensagens, de Skype, Facebook, e qualquer outra coisa que tivesse aqui comigo, só para poder montar uma compilação e publicar tudo aqui, tudo junto, para que pudesse fazer a minha grande declaração, para que pudesse, de alguma forma, demonstrar meu amor por você. Mas, mais uma vez, percebo a tolice desse pensamento.
De que adiantaria fazer um compilado, um único texto, fazer um único momento se tornar tão grandioso? O resultado seria um: uma grande demonstração de amor. E depois? O que aconteceria? Nada. Teria de recomeçar tudo, novamente. Porém, com uma certeza: eu teria de fazer algo ainda mais grandioso, um monumento, talvez, para superar minha maior declaração, feita aqui, a maior declaração já feita por alguém. E, por razões óbvias, eu não poderia fazer isso. Eu não tenho condições de levantar um monumento. Eu sou pequeno, sou bobo, sou apenas um garoto e um garoto não pode ser um grande personagem.
É engraçado pensar como nós, seres humanos, somos limitados. Há tanto por fazer e nós criamos tantos outros compromissos que o tempo parece escasso. O tempo, na verdade, sempre foi o mesmo, mas a cada dia parece passar mais e mais rápido, enquanto nós ficamos aqui, sem saber se criamos um grande texto ou um texto grande.
E, perdido em minhas escolhas de todo dia, enquanto estou longe de você, sinto-me feliz, porque há duas grandes certezas em meus dias: com ou sem as brumas, os nossos sentimentos mudam apenas para melhor, ficam mais fortes e mais intensos, mais belos e mais pontuais; e, perdido no tempo, vejo-o passar sempre ligeiro, apressado, me deixando para trás com o pó, como o pouco que sou, arrastando-me consigo, até que eu consiga chegar mais perto de você, como seu menino, como seu pouco. Com estas pequenas declarações e com estes pequenos gestos, na forma de um pequeno presente. Porque todos esses gestos bobos são pequenas frações do todo que é meu mundo em você ♥

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Lutas Diárias

Outro dia estava no carro, semiconsciente, enquanto tentava me embalar no sono que vagava à beira da estrada. Estava, mais uma vez, saindo de Laranjeiras do Sul rumo à Campo Mourão. Estava há poucos minutos trafegando na BR-277, o rádio estava sintonizado numa emissora que, com frequência, estava entre a lista das favoritas do motorista. Para meu profundo desgosto, uma daquelas típicas emissoras de rádio do interior do Paraná onde só se ouve música sertaneja universitária (diga-se de passagem "música de péssima qualidade") e as baboseiras de um grupo de apresentadores que, em vez de DJs, tornaram-se palhaços. Muito raramente há a possibilidade de ouvir uma música que possa ser considerada interessante ou, ao menos, agradável. Mas este era um dia diferente. Uma tarde diferente. E nesta tarde diferente um pedido via sms fez a diferença entre os demais daquela emissora, daquela tarde, daquele dia. O pedido veio de uma garota e uma voz rara entre as rádios do interior do estado se fez ouvir. Uma voz que, diria, não está entre as minhas favoritas, mas que certamente foi mais agradável que o resto (sim, o resto, como se fosse lixo atirado diariamente em nossos dias) e que me fez pensar em várias coisas.

Rogério Flausino, vocalista do JQuest, cantou e uma única frase ficou muito marcada em meu pensamento. E foi esta frase que me fez procurar esta canção - e vejam, que grande achado - pois gostaria de pensar novamente sobre aquelas coisas e compartilhar com os amigos visitantes este sentimento.

E em que eu pensei? Pensei nos amigos e pensei nela. Sim. Como sempre, não poderia deixar de pensar na inspiração que faz meus olhos brilharem, meu sorriso se abrir e meu coração bater mais forte, a saudade mais constante e estes dias mais obscuros, ainda que não menos felizes e esperançosos. E enquanto isso, fico aqui, a cantarolar esta bela nova canção, com o pensamento vagando pela estrada.

Luta de Viver (Jota Quest)

Acordei mais cedo do meu sono delirante

Amanheceu em mim, fui ser feliz outra vez.
Olhei meus olhos no espelho, o reflexo era você
Me encheu o dia de saudade. A culpa é sua.

E a gente pensa tanta coisa nessa hora
E pensa tanto que se esquece de viver.
A gente passa tanta coisa nessa vida
Que a vida passa e a gente quase nem se vê.

Não foi a toa que hoje o dia nasceu lindo
Não é por nada, não
Que o sol esta sorrindo.
Somos exemplos vivos desta eterna luta de viver.

Acordei mais cedo do meu sono ignorante
Amanheceu em mim, fui ser feliz outra vez.
Olhei meus olhos, no espelho, o reflexo era você
Me encheu o dia de saudade. A culpa é sua.

E a gente pensa tanta coisa nessa hora
E pensa tanto que se esquece de viver.
A gente passa tanta coisa nessa vida
Que a vida passa e a gente quase nem se vê.

Não foi a toa que hoje o dia nasceu lindo
Não é por nada, não
Que o sol esta sorrindo.
Somos exemplos vivos desta eterna luta de viver.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Coisinhas à Toa, Ela e Meus Dias Simples


Um dos textos mais simples e mais belos que já vi. Li, pela primeira vez, intitulado como "Coisinhas à Toa", quando ainda criança. Nunca me esqueci destas palavras. E, num momento simples e belo de minha vida, ofereço estas coisinhas à toa pra Ela:

Passarinho na janela
Pijama de flanela
Brigadeiro na panela

Gato andando no telhado
Cheirinho de mato molhado
Disco antigo sem chiado.

Pão quentinho de manhã
Drops de hortelã
O grito do Tarzan.

Tirar a sorte no osso
Jogar pedrinha no poço
Um cachecol no pescoço.

Papagaio que conversa
Pisar em tapete persa
Eu te amo e vice-versa.

Vaga-lume aceso na mão
Dias quentes de verão
Descer pelo corrimão.

Almoço de domingo
Revoada de flamingo
Herói que fuma cachimbo.

Anãozinho de jardim
Lacinho de cetim
Terminar um livro assim.

Otávio Roth. Duas dúzias de coisinhas à toa que deixam a gente feliz. São Paulo: Ática, 1994.


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Insônia


Olá, queridos. O que posso dizer da última noite? Foi estranhamente interessante. Não foi boa, de fato, mas convenhamos que foi produtiva e que, hoje, acordei estranhamente inspirado para produção literária. Acho que é um bom dia pra fazer um daqueles testes da Universidade de Cambridge sobre Psicologia.
Quanto à produtividade, segue aí meu mais novo poema, feito enquanto rolava na cama, sem conseguir dormir.

INSÔNIA

Cá estou eu, fora de hora, fazendo o que não devia
Ou, ao menos, não fazendo o que devia.
Mas, de certo, como saber se podia ou não traçar estas linhas?
Acontece que já tarda a noite, e logo chegará o dia.

Insônia, sua insolente! Por que me abres os olhos nesta noite
De flashes ininterruptos, de vento constante?
Ouve só o barulho. Que será? Uma besta uivante?
Gemidos, rangidos, grunhidos, talvez. O vento lá fora se mostra

A casa, para mim, é nova. A cidade também.
Como poderia eu conhecer os sons que a madrugada tem?
O vizinho mequetrefe deve ter esquecido
Mas a TV ilumina a sala e o som incomoda meu ouvido

Sirenes, gritos, em um tipo de aventura policial
Resultarão, bem sei, em meu desgosto matinal
E o cão, que de longe brada, coitado
A tantos incomoda, tenho certeza, mas em que parada
Se encontra o nobre amigo? Não na estrada, nem perto de minha janela
Não incomodaria se persistisse latindo, ou mesmo se tivesse uivado

O vento segue em sua prosa, me lembrando tempo antigo
Memórias de infância, de locais, e da vontade de ter dormido
Aqui perto, bem perto, me parece, alguém arrasta algum objeto
Ou fecha uma janela ou puxa ferro sobre o concreto

Mas por que, justo hoje, haveria de ser assim?
Em meio à madrugada já tentei tantas coisas, mas acabo, enfim
Deitado, a cabeça reclinada sobre o travesseiro e o computador no colo
Amanhecerei certamente com alguma dor. Então, imploro
Cala-te, noite, para que eu descanse, pois logo chegará o dia
E terei de caminhar, ler, correr, será uma correria sem fim

Assim, eu sei, terei problemas, então peço
Por favor, noite amiga, permita-me descansar
Amanhã, no novo dia, preciso muito trabalhar
Colabore, e leve-me, Orfeu, ao teu Sonhar
E encerro meu dia pois, agora nesta linha, deste mundo me despeço.

É isso aí. Apesar da noite "mal dormida" acordei bem, feliz e inspirado. E, agora, vamos para algumas atividades aleatórias do dia. Até breve para, quem sabe, mais um texto neste belo dia fresco de céu azul.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A Arrogância Segundo os Medíocres

“Adorei o seu sapato”, disse uma amiga para mim certa vez. “Legal, né? Eu comprei em uma feira de artesanato na Colômbia, achei super legal também”, eu respondi, de fato empolgada porque eu também adorava o sapato. Foi o suficiente para causar reticências quase visíveis nela e no namorado e, se não fosse chato demais, eles teriam dado uma risadinha e rolariam os olhos um para o outro, como quem diz “que metida”. Mas para meia-entendedora que sou, o “Ah…” que ela respondeu bastou.
Incrível é que posso afirmar com toda convicção que, se tivesse comprado aquele sapato em um camelô da 25 de março, eu responderia com a mesma empolgação: “Legal, né? Achei lá na 25!”. Só que aí sim eu teria uma reação positiva, porque comprar na 25 “pode”.
Experiências como essa fazem com que eu mantenha minhas viagens em 13 países, minha fluência em francês e meus conhecimentos sobre temas do meu interesse (linguística, mitologia, gastronomia etc) praticamente para mim mesma e, em doses homeopáticas, somente entre meu restrito círculo familiar e de amigos (aqueles que a gente conta nos dedos das mãos).
Essa censura intelectual me deixa irritada. Isso porque a mediocridade faz com que muitos torçam o nariz para tudo aquilo que não conhecem, mas que socialmente é considerado algo de um nível de cultura e poder aquisitivo superior. E assim você vira um arrogante. Te repudiam pelo simples fato de você mencionar algo que tem uma tarja invisível de “coisa de gente fresca”.
Não importa que ele pague R$ 30 mil em um carro zero, enquanto você dirige um carro de mais 15 anos e viaja durante um mês a cada dois anos para o exterior gastando R$ 5 mil (dinheiro que você, que não quer um carro zero, juntou com o seu trabalho enquanto ele pagava parcelas de mil reais ao mês). Não importa que você conheça uma palavra em outra língua que expressa muito melhor o que você quer falar. Você não pode mencioná-la de jeito nenhum! Mas ele escreve errado o português, troca “c” por “ç”, “s” por “z” e tudo bem.
Não pode falar que não gosta de novela ou de Big Brother, senão você é chato. Não pode fazer referência a livro nenhum, ou falar que foi em um concerto de música clássica, ou você é esnobe. Não ouso sequer mencionar meus amigos estrangeiros, correndo o risco de apedrejamento.
Pagar R$200 em uma aula de francês não pode. Mas pagar mais em uma academia, sem problemas. Se eu como aspargos e queijo brie, sou “chique”. Mas se gasto os mesmos R$ 20 (que compra os dois ingredientes citados) em um lanche do Mc Donald’s, aí tudo bem. Se desembolso R$100 em uma roupa ou acessório que gosto muito, sou uma riquinha consumista. Mas gastar R$100 no salão de cabeleireiro do bairro pra ter alguém refazendo sua chapinha é considerado normal. Gastar de R$30 a R$50 em vinho (seco, ainda por cima) é um absurdo. Mas R$80 em um abadá, ou em cerveja ruim na balada, ou em uma festa open bar… Tranquilo!
Meu ponto é que as pessoas que mais exercem essa censura intelectual têm acesso às mesmas coisas que eu, mas escolhem outro estilo de vida. Que pode ser até mais caro do que o meu, mas que não tem a pecha de coisa de gente arrogante.
O dicionário Aulete define a palavra “arrogância” da seguinte forma:
1. Ação ou resultado de atribui a si mesmo prerrogativa(s), direito(s), qualidade(s) etc.
2. Qualidade de arrogante, de quem se pretende superior ou melhor e o manifesta em atitudes de desprezo aos outros, de empáfia, de insolência etc.
3. Atitude, comportamento prepotente de quem se considera superior em relação aos outros; INSOLÊNCIA: “…e atirou-lhe com arrogância o troco sobre o balcão.” (José de Alencar, A Viuvinha))
4. Ação desrespeitosa, que revela empáfia, insolência, desrespeito: Suas arrogâncias ultrapassam todo limite.
Pois bem. Ser arrogante é, então, atribuir-se qualidades que fazem com que você se ache superior aos outros. Mas a grande questão é que em nenhum momento coloco que meus interesses por línguas estrangeiras, viagens, design, gastronomia e cultura alternativa são mais relevantes do que outros. Ou pior: que me fazem alguém melhor que os outros. São os outros que se colocam abaixo de mim por não ter os mesmos interesses, taxar esses interesses de “coisa de grã-fino” (sim, ainda usam esse termo) e achar que vivem em um universo dos “pobres legais”, ainda que tenham o mesmo salário que eu. E o pior é que vivem, mesmo: no universo da pobreza de espírito.

(Texto publicado por uma brasileira que, assim como eu, sofre com sua indignação em relação àquelas pessoas chatas que se dizem os "legais" e agem com preconceito com aqueles que, assim como ela e eu, preferem qualidadequantidade).

E Daí?


Eu me pergunto - e daí?
O tempo passa, os dias vêm e vão. “Vão os anéis e ficam os dedos”, “vão os dedos e ficam os anéis”. “Eu não sou um bom lugar”. “Ouça o que eu digo: não ouça ninguém”. Sinceramente? Não sei. Não sei o que está certo, não sei o que está errado. Sei aquilo que vejo, que é ponderável. Sei aquilo que se mostra verdadeiro, e não intocável. Meias palavras, subversão, duplo sentido, nada disso basta quando tudo o que se quer é um pouco de quase-nada. Depois de um café Solitário-Simples-Sem-Açúcar fico aqui pensando em quanto falta pra esse quase-nada. Aliás, o que é esse quase-nada? Talvez seja um quase-nada tão grande que eu nem consiga imaginar. Talvez seja tão simples que eu já consegui. Talvez seja tão complexo que eu nunca chegue a conquistar. Ou, talvez, seja tanta coisa que, de uma só vez, seja impossível conseguir mas, com persistência, dedicação e devoção, eu chegue aonde quero muito mais rápido - e em melhores condições - do que eu imagino que possa. Talvez uma xícara de café ajude a manter a calma até que chegue o dia, que não demorará, eu sei. Eu sei. Enquanto ele não chega, aproveito a rara qualidade no sinal de celular pra te ligar 30x por dia, só pra dizer que estava com saudade.

As Brumas e Você

7h28. Hoje está frio. Puxo o edredom para cobri-la melhor, dou-lhe um beijo suave, cuidando para que não desperte. Me arrumo em silêncio, giro a chave na porta cuidadosamente. Não percebo as brumas que dominam o ambiente. Quando me viro, logo após trancar a porta, ainda cego pelo sono, julgo que meus óculos estão sujos. Retiro a armação de lentes negras e tento limpá-las. Caminho de cabeça baixa, com os olhos semicerrados, até o portão e, quando me dou conta, não consigo enxergar a outra margem da rua. A névoa dominou todos os espaços.
Ah, como eu amo esta paisagem! Não. Amo as brumas. A paisagem é praticamente imperceptível, já que está quase totalmente encoberta. Como numa cidade fantasma, sinto meu corpo arrepiar pelo frescor matinal, mas também pela emoção de estar em um momento tão... indescritível. Não consigo dizer por que me sinto tão encantado pela neblina. Mas, bem sabes, meu amor, ela me fascina.
Olho de volta para a casa, penso em acordá-la para que possa desfrutar deste momento junto a mim. Um momento especial, relativamente difícil de se ver. Mas não posso. Não posso pensar em interromper seu sono, seu momento de repouso. Unir a pessoa a quem mais amo a um momento de harmoniosa admiração da natureza seria perfeito, mas, não posso. Não posso pensar em fazer algo que tire de você este momento prazeroso, assim como qualquer outro.
Sigo meu caminho. Deixo-a para trás. Levo comigo as gotículas de água suspensas no ar denso da manhã enevoada. caminho pelas ruas, sinto tocar minha pele as gélidas e pequeninas frações liquidas, como um perfume que se espalha, como o pólen minúsculo carregado pelo vento, como o aroma do café que você prepara, como o cheiro do seu corpo que domina o quarto com sua presença.
Deixo-a. Pode parecer egoísta, caminhar sozinho pela cidade em um momento em que ela oculta suas linhas, seus corpos, e se enche de mistérios, mas não. Fiz isso pensando em seu bem-estar. Fiz isso porque dentro de mim, no mais íntimo de meus pensamentos, encontro a certeza de que este não será o último momento. Não será a última oportunidade. Fiz isso porque dentro de mim tenho a certeza de que podemos construir um caminho que nos leve a muitos outros lugares, a muitas novas oportunidades, e que inclusive nos leve para um lugar onde as brumas estarão à mercê de nossas vidas, para que juntos possamos desfrutar desta beleza natural em um momento mais propício, você e eu, num dia qualquer, vivendo nosso amor.