sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Lírios, Lavanda e Jasmim*

Foi uma manhã como outra qualquer. Porém, o sol brilhou com uma luminosidade especial, parecia que as cores estavam mais bem definidas, eu enxergava melhor, quase podia sentir em mim aquelas cores vibrando, como em um sonho.
Vesti um shorts. um par de meias velhas e um tênis fácil de limpar, depois de perceber que parte do dia escorrera por entre meus dedos. Em poucos minutos alcanço a rodovia e, logo em seguida, a abertura na mata. O cheio de terra e folhas mortas era intenso. O barulho do vento na vegetação soava claro e melancólico. Os pneus se chocando contra a lama, contra as pedras, o aço da corrente batendo no alumínio do quadro... Pareço estar completamente integrado à paisagem - eu e minha bicicleta.
Borboletas, gafanhotos, aves e até um pequeno bando de quatis parecem parar no tempo para me ver descer a trilha em alta velocidade. Curvas, saltos, a velha ponte de madeira... Tudo fica para trás ap´pos correr diante de meus olhos. Não existe tempo ou espaço aqui. Como em um universo paralelo livre de leis físicas, me sinto livre.
Tão logo chegam os primeiros pingos de chuva as lembranças se esvaem. Os amigos, família, trabalho, estudos, até mesmo meu nome. Aos poucos tudo torna-se vazio. Somente a natureza existe; eu, não mais. A velocidade torna-se quase insuportável. Já não distinguo a paisagem. A bicicleta move-se sozinha, seguindo a rota costumeira.
Quando sinto a parada brusca percebo que não há mais bicicleta - estou completamente integrado à natureza. Inspiro profundamente, olho ao redor. Penso em erguer as mãos e olhá-las, mas não tenho mãos. Expiro. Nada além de mata, pedras, folhas, flores, pingos de chuva, ar, brisa, o canto do sabiá no alto de uma imbuia em flor.
O calor daquele dia de verão se extinguira. Também não havia frio. Só havia chuva. Inspiro. A percepção diminui, perco a consciência vagarosamente, fecho os olhos até que eu não exista para poder expirar.
Abro os olhos e vejo diante de mim um espelho, mas nada havia refletido nele senão água, peixes, plantas e pedras de rio. Realmente, eu estava dentro do rio. O som da pequena queda d'água se fez real para meus ouvidos ausentes e a pressão da água surge sobre minha pele. Aos poucos a consciência volta, tão lentamente quanto se foi.
Recordo quem sou, as bandas favoritas, os quadros que ficaram gravados na memória, os discos que fizeram parte de tantos momentos...
Percebo minhas mãos, braços, pernas. Tenho vontade de expirar. As bolhas de ar saem de meus pulmões e espalham-se, no espelho, chegando à superfície. As lembranças se colorem, o vermelho e o preto ganham destaque, abre-se um sorriso. O ar acaba, volto para a superfície e logo os pingos de chuva, o verde, o cheiro de terra, das folhas mortas e do musgo voltam a existir. Sinto a brisa tocar minha pele, inspiro novamente. Encho os pulmões e sinto a vida fluir, naquele momento, em tudo ao meu redor.
Já não estou dentro d'água. A pequena cachoeira não pode mais distorcer a imagem refletida pelo espelho, que também se faz vida. Os longos cabelos molhados pendem sobre a pele alva. Os olhos amendoados voltam-se para mim. A imagem do espelho ganha vida, forma e movimento. Aproxima-se lenta, o sorriso ainda mais iluminado. Claramente traz consigo o perfume de flores do campo. Antes que eu pudesse tomar qualquer atitude ergue os braços e estende-os à minha volta. Não vejo o movimento dos lábios, mas a voz doce e melódica ecoa em minha mente, me chamando para partir. Vejo-me agora envolto por aquela criatura, tão eu, tão única, saída da natureza num quadro surreal, inimaginável, sinto meu corpo leve, suspenso no ar, enquanto nos movíamos para longe dali. As lembranças, os gostos, os gestos, tudo se recria exatamente como sempre foi, como num sonho, como em outro universo, como numa outra vida.


*Escrito ao som da chuva, um violino distante e Coil, da banda Opeth.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Sobre as Musas Inspiradoras

Voltar a escrever exige inspiração. E inspiração assim, depois de tanto tempo, exige algum esforço. Para se obter êxito necessário se faz concentração, talvez em demasia, talvez não. Mas em meio a este vasto Universo existem seres especiais que servem para inspirar e dar vida a alguns pensamentos, pobres folhas recém nascidas das mentes criadoras de poetas, compositores, escritores, cientistas, ou apenas daquele homem que analisa o céu durante um tempo e, ao unir estrelas com linhas e agulha imaginárias, traça rotas para seus pensamentos se concretizarem dentro de si mesmo e, assim, dar sentido a sua vida, seja lá qual for (o sentido, ou a vida).

Estes seres - falemos deles - são como ... Não, não podem ser estrelas. Porque estrelas surgem no céu numa noite e permanecem lá, iluminando por anos-luz a vida dos observadores e, mesmo durante o dia, sabemos de sua presença, magnitude e poder. Sabemos também do seu poder de destruição, visto que são uma chama poderosa, incontrolável, que arde até que se acabe seu combustível. Estes seres não podem ser assim.



Também não podem ser estrelas cadentes, porque apesar de toda sua beleza, características únicas e encantamento, se vão tão rápidos quanto chegam. E também não podem ser flores, cujo perfume, por vezes inebriante, sofrem com as secas ou chuvas excessivas, acabam-se após alguns dias de magistral beleza, e só aparecem quando há condições ideais para isso.

Estes seres, porém, são como árvores. Mas não uma árvore qualquer. São grandiosos e imponentes como uma sequóia, fortes e resistentes às más condições climáticas, como as palmeiras. Existem durante gerações e mais gerações, como as Cicas, dão flores belas, coloridas, de formatos variados e e de aromas inigualáveis, sempre que desejarem, assim como as orquídeas, mas muito mais duradouras e belas.

Porém, além de todas estas características, estes seres - ou criaturas, como acharem melhor - dão algo ainda mais importante: o fruto. Um fruto que não é doce, mas agrada a todos os paladares. Um fruto que não tem suco, mas mata a sede de carinho, amizade, amor, companheirismo. Um fruto que não mata a fome, que não tem proteínas, carboidratos, lipídios, vitaminas e minerais, mas que tem sorrisos, secam lágrimas, apoiam, criticam quando oportuno, que embelezam tardes de inverno e fazem as manhãs serem mais agradáveis, por alimentar a alma.

Estes seres, tão grandiosos, ainda possuem o colo generoso de um Baobá, que recebe nos braços as nossas crianças interiores em momentos de aprendizado, de dor ou de folia, e nos sustentam calorosos, protegendo-nos contra os monstros do mundo.

Deus colocou em meus dias seres assim, e ainda surgem alguns, por vezes, me surpreendendo. Assim, risco estas linhas com gratidão, generosidade e amor, pois é graças a estes seres - estas musas, que não necessariamente são mulheres, apesar do termo genericamente feminino - que consegui tantas conquistas, tantos bons resultados, e toda a inspiração necessária para produzir meus textos, minhas brincadeiras, minhas teimosias e, até mesmo, meus maiores amores, cultivados e sustentados por toda vida.

Recebam esta singela homenagem como símbolo da nossa união. Que nossas vidas permaneçam unidas, independente da distância que exista entre nós. Deus os abençoe, meus amores.


P.S.: Que sirva, principalmente, como felicitações para a amiga Erilva, que hoje faz alguns tantos anos (muitos mais do que se possa imaginar), e que por todos estes anos tornou meus dias mais alegres, como um bônus diário de felicidade. Surgiu como um brotinho, em meio à vastidão da terra, e rapidamente cresceu e mostrou-se grande diante de mim. São 8 anos de amizade, 8 anos de aventuras imaginárias e apoio constantes. Histórias que se perdem no tempo, mas nunca serão apagadas das lembranças. Felicidades, engenheira =)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O Retorno no Fim do Dia


Adeus, Meus Sonhos!


Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia

Morreu na minha triste mocidade!


Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.



Que me resta, meu Deus?


Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!


(Álvares de Azevedo)


Há muito este poema está aqui, morto, abandonado ao tempo, enquanto espaço algum há de percorrer, pela sua insignificância preconceituada em uma visão superficial e imediatista de meus dias. Forçosa e cegamente o abandonei. Até quando ficaria aqui? Se uma alma vagante do mundo não me tivesse alertado sobre seu paradeiro, ainda estaria preso em um corredor infinito, onde cada esquina joga-lo-ia ao seu início, desperdiçando as nobres e apaixonadas palavras de um dos grandes senhores das sombras, aonde o mundo se dirige em momentos de melancolia, aflição e tristeza. Porém, não mais nas sombras estas palavras e, assim como o mar, em letras  esparramadas de Paulo Leminski, sobre a pedra à beira mar, vão espalhar-se mundo a fora, desde o litoral, passando pelas ruelas de Morretes, subindo a Mateus Leme até o Largo da Odem, a ser visto pelo Sr. Trevisan, saindo pela 277 e percorrendo este tão belo estado, levado pelo vento gélido que hoje sopra até o alto das colinas, tocando de leve o meu ser, que deixa um suspiro breve de saudade e lembrança.

Boa noite, amigos meus. Boa noite.